O diagnóstico de câncer é considerado um dos mais sofridos na vida de uma pessoa. Entretanto, se por um lado esta realidade causa pânico ao se pensar no futuro que vem pela frente, a posterior notícia que os tratamentos para este mal estão cada vez mais eficazes, pode trazer algum conforto. Uma das mais importantes considerações ao se determinar qual será o tipo de tratamento que o paciente será submetido, principalmente para crianças antes da puberdade, adolescentes, homens e mulheres mais jovens que não têm filhos e ainda os desejam ter, é: qual será o prejuízo da fertilidade após a recuperação? Estima-se que em 2010, um em cada 250 adultos será sobrevivente de tratamentos de câncer, pois as radioterapias, a quimioterapia, em conjunto com cirurgias, podem curar até 90%. Isto torna a responsabilidade do médico oncologista ainda maior pois, não estar atento a este detalhe tão importante, poderá reservar um futuro muito frustrante para este paciente.
Quanto às mulheres calcula-se que, anualmente, 650 mil são atingidas pelo câncer invasivo e 8% delas (52 mil) têm menos de 40 anos. Estima-se que uma em cada 52 mulheres deverá ter câncer antes dos 39 anos. A cada ano mais mulheres jovens têm câncer. Também são registrados anualmente um aumento de 0,3% de casos. O índice de cura vem aumentando: 0,6% por ano e por isso é importante pensar na fertilidade futura destes pacientes. A radioterapia, quando for realizada no baixo abdômen, poderá danificar ou até destruir os ovários, dependendo do tamanho e da localização do tumor e da intensidade da irradiação necessária para a cura. Quando isto ocorre, a mulher pára de produzir hormônios e entra na menopausa, impedindo a gestação com seus próprios óvulos. O mesmo pode ocorrer com a quimioterapia que, dependendo das drogas utilizadas e das doses necessárias para a cura da doença poderá, além de extinguir o tumor, prejudicar também a função ovariana. As cirurgias castradoras são, muitas vezes, a melhor opção para a cura da mulher, entretanto poderão definir para sempre o futuro infértil da mulher. As mesmas considerações são válidas para o homem. É importante que o médico que trata o paciente com câncer tenha conhecimento das técnicas atuais para preservação da fertilidade, a fim de garantir, após a cura dos seus pacientes, a possibilidade de terem filhos e construírem suas famílias.
Técnicas para preservação da fertilidade
No Homem
Congelamento do sêmen
É um processo realizado com técnicas bem estabelecidas e resultados confiáveis. O sêmen deverá ser coletado através da masturbação, preferencialmente em várias amostras. Será congelado a -196C, armazenado por tempo indeterminado podendo ser descongelado e utilizado no momento adequado.
Congelamento de tecido testicular
Embora o congelamento do sêmen seja uma opção simples e de fácil execução, o congelamento do tecido testicular pode oferecer uma opção a longo prazo, principalmente nos casos de alguns tumores que prejudicam a qualidade do sêmen. É ainda uma técnica experimental, mas pode em alguns casos ser a única opção. Espera-se que no futuro, com o avanço nas pesquisas para o uso de células-tronco, a técnica de congelamento testicular possa ser uma alternativa interessante.
Observação
Quando houver urgência para o início do tratamento oncológico, pelo menos uma amostra de sêmen deverá ser congelada.
Perguntas que deverão ser respondidas pelo médico ao paciente, seus pais ou responsáveis (caso seja menor de idade), antes do início do tratamento oncológico:
- 1. O tratamento afetará a fertilidade do homem ou do menino? Se a resposta for “sim”, qual a melhor técnica para preservar a fertilidade?
- 2. Como e quando o paciente poderá saber se é fértil ou não após o término do tratamento? Existem testes para isso?
- 3. Se a fertilidade não for preservada, existem alternativas para que ele possa ter filhos futuramente?
- 4. Se for realizado o congelamento do sêmen ou tecido testicular, existe uma data limite para serem utilizados?
- 5. Haverá mudanças do desejo sexual?
- 6. Haverá riscos para a gestação ou para a criança quando ele tiver seus filhos?
- 7. Quais são as clínicas especializadas que podem indicar os melhores métodos para preservar a fertilidade?
Na mulher
As meninas nascem com um número limitado de óvulos. A quantidade de óvulos diminui gradativamente a partir da primeira menstruação até chegar na menopausa quando já não existem mais óvulos disponíveis para serem fertilizados. A radioterapia e a quimioterapia tendem a acelerar ainda mais esta perda da capacidade reprodutiva. Novas técnicas têm proporcionado esperanças para preservar ou recuperar a fertilidade em meninas e mulheres que são submetidas a tratamentos de câncer. Entre elas estão o congelamento de embriões, tecido ovariano, óvulos e transposição dos ovários em caso de radioterapia.
Congelamento de embriões
Através da fertilização in vitro, o ovário é estimulado com hormônios, os óvulos retirados e posteriormente fertilizados em laboratório. Formam-se os embriões que serão congelados em nitrogênio líquido a -196C permanecendo assim por tempo indeterminado. É considerada uma boa técnica por ser eficaz e proporcionar taxas de gravidez ao redor de 40%, mas é restrita à pacientes que não necessitam de um tratamento oncológico imediato e a tumores que não são afetados por hormônios. Além disso, a mulher já deve estar com o parceiro com o qual pretende formar uma família. Outra preocupação já comentada anteriormente (leia mais sobre o assunto em “Prorrogando e Preservando o potencial Fértil”), é o fato dos embriões serem legal e eticamente considerados seres vivos e, por isso, em nenhuma hipótese, poderão ser descartados. Caso haja desinteresse por um dos membros do casal em manter os embriões congelados ou o desejo de utilizá-los para futura gestação, eles não poderão ser exigidos pelo outro, o que pode levar a conflitos judiciais. O congelamento de óvulos e tecido ovariano não têm este compromisso.
Congelamento de tecido ovariano
Pode ser uma ótima alternativa, em crianças que ainda não atingiram a puberdade e por isto não têm ainda óvulos para serem congelados e em pacientes que não podem ser submetidos à indução da ovulação com hormônios. Através da videolaparoscopia, uma técnica cirúrgica minimamente invasiva, é retirada uma parte de um dos ovários. Este tecido é congelado permanecendo assim até o momento adequado para ser reimplantado. Não existe um período pré-determinado. O tecido poderá ser fragmentado ou não e poderá ser reimplantado na região pélvica, sobre o outro ovário, perto das trompas (tópico), ou em locais diferentes como parede abdominal ou braço (heterotópico). Nestas condições, para que ocorra gravidez, normalmente, são necessários medicamentos para indução da ovulação usados habitualmente nos tratamentos de fertilização in vitro. Ainda é uma opção que oferece pequenas taxas de sucesso, mas pode ser indicada quando não houver uma alternativa mais adequada.
Congelamento de óvulos
É uma técnica muito importante por oferecer bons resultados de gravidez futura. Tem como vantagem, em relação aos embriões, o fato de serem células e, por isso, se não forem mais desejados poderão ser descartados. A paciente deverá ser submetida a um tratamento de indução da ovulação semelhante ao da fertilização in vitro com a retirada dos óvulos e posterior congelamento. Nestes casos, existem duas possibilidades com o mesmo fim. Se o tumor que a paciente tem, necessitar de quimioterapia e puder esperar três a cinco semanas para o início do tratamento oncológico, receberá medicamentos para a estimulação ovariana para que haja um número maior de óvulos a ser congelados, pois um número maior garante melhores resultados no futuro. O tipo de medicação vai depender do tumor ser sensível ou não ao hormônio estrogênio que poderá se elevar neste tipo de tratamento e piorar a evolução da doença. Entretanto, é importante saber que para estes casos existem estratégias adequadas para indução da ovulação, que encurtam o período de indução e exposição do tumor a este hormônio. Mas, se não puder receber os hormônios convencionais, poderão ser utilizados outros mais “fracos” que podem gerar um número menor de óvulos ou até utilizar um ciclo natural sem remédios.
Em alguns casos específicos os óvulos poderão ser maturados no laboratório por uma técnica especial (Maturação in Vitro) para posteriormente serem congelados. Desta maneira diminui-se ainda mais o tempo de exposição ao estrogênio.
Transposição dos ovários
Nas situações em que for necessária a radioterapia na região pélvica, os ovários poderão ser atingidos diretamente e ter a sua reserva ovariana prejudicada. Para evitar esta proximidade dos ovários com as “sondas” dos aparelhos poderá ser realizada uma cirurgia minimamente invasiva (videolaparoscopia) que colocará os ovários, durante o período do tratamento, distante do local que será atingido pela radiação. Após o término do tratamento através da mesma técnica cirúrgica, os ovários poderão voltar para o local original.
Proteção Medicamentosa
Existem controvérsias se os danos causados pela quimioterapia aos ovários podem ser amenizados por alguns medicamentos, como por exemplo, os análogos do GnRH. Alguns estudos têm demonstrado vantagens nesta produção, porém não existe, ainda, um consenso nesta afirmação.
Entretanto, pode ser uma alternativa quando somada à outras técnicas de preservação da fertilidade.
Perguntas que deverão ser respondidas pelo médico à paciente, seus pais ou responsáveis (caso seja menor deidade), antes do início do tratamento oncológico:
- 1. O tratamento afetará a fertilidade da mulher ou menina? Se a resposta for “sim”, qual a melhor técnica para preservar a fertilidade?
- 2. Como e quando a paciente poderá saber se é fértil ou não após o término do tratamento? Existem testes para isso?
- 3. Se a fertilidade não for preservada, quais são as alternativas para que ela possa ter filhos?
- 4. Se houver falência ovariana (menopausa pelo tratamento) quais serão os sintomas? Existe tratamento para isso?
- 5. Depois de terminado o tratamento, quanto tempo levará para que a menstruação retorne? Se não estiver menstruando será necessário o uso de hormônios ou contracepção se desejar evitar filhos?
- 6. Haverá mudanças do desejo sexual?
- 7. A gravidez é segura após o tratamento? Se a resposta for positiva, quanto tempo a paciente deverá esperar para ficar grávida?
- 8. Haverá riscos para a gestação ou para a criança caso ela fique grávida?
- 9. Onde o paciente poderá encontrar clínicas de Reprodução Humana especializada para este tipo de tratamento?
Decidindo a estratégia para a preservação da fertilidade na mulher
Avaliação inicial - Risco de metástase - envolvimento ovariano
Embora a maioria dos cânceres não levem metástases para o ovário, alguns deles como as leucemias, podem causar este tipo de envolvimento o que pode ser grave. O neuroblastoma, por exemplo, apresenta grandes chances de causar este mal, enquanto o câncer de mama tem baixo risco de metástase ovariana (tabela 1), bem como, o tumor de Wilms e o Sarcoma de Ewing. No câncer de colo uterino de células escamosas, o grau de envolvimento ovariano é inferior a 0,2%. Independentemente do risco previamente conhecido das chances de metástase ovariana, os fragmentos de ovários que serão congelados devem ter amostras para serem examinadas e confirmarem diagnóstico da ausência de células malignas.
Estratégias
Existem várias opções para a preservação da fertilidade em mulheres com câncer. A estratégia a ser escolhida vai depender da idade da paciente, o tempo disponível para que as medidas possam ser tomadas sem atrapalhar o sucesso do tratamento oncológico e o tipo de câncer. O esquema a seguir ajuda a encontrar a melhor opção para a mulher: